Elenco
Gato Giga
Pai – Manuel da Ribalda
Filho
Filha
Avó
Avô
Andrade da Mula
Zé
Metade
Mulher
do Andrade
Mãe
do Zé da Metade
Presidente
da Junta
Filha do Andrade
Cientista
|
ATO I
Num beco, o beco das sardinheiras, na zona velha de Lisboa entre a Alfama e a Mouraria. Uma sala de estar, uma família reunida na conversa, sentada num sofá. A mãe, que não fala nesta cena está sentada ao lado da avó que tricota.
Cena 1
Luz forte sobre todo o palco. Som do telejornal da Sic (nº1) baixa-se o som para o pai começar a
falar) 1
Pai: Olha como essa gata está a esconder-se. Cuidado que ela quer fugir.
Filho: Não te
preocupes pai. (o gato mia uma vez) 2
Filha (chega à beira da gata e pega nela, dirigindo-se ao pai): Ó pá deixa a gata tranquila.
Avó (quando a neta passa à sua frente): Que grande que ela está. Cresceu muito de repente, não achas?
Avô: Tudo o que é gato está a mais nesta casa!
Pai: Sabem todos que sou muito amigo dos animais e por isso vamos continuar a viver tranquilamente com a gata aqui em casa. A crise anda por todo o lado, pelo menos este gostinho de ter um animal em casa posso dar aos meus filhos, ora bolas!
Avô (à parte): Esta nova geração de
cagarolas. Quem já viu homens a tratar de gatos? Pffffff!! (o gato mia outra vez mas mais alto) 3
Filhos: Fantástico! Olhem, a gata acabou de parir um gatinho! Podemos dar-lhe um nome?
Filha: Vamos batizá-lo com um nome magnífico! Como eu sou especialista em gatas...
Filho: Não és nada.
Filha: Cala-te, cromo. Sou a mais velha, eu é que decido! Portanto… o que pensam de Gigas?
Filho: Não quero um gato chamado Gigas aqui em casa. Ele é minúsculo, pá! Gigas… Porque não Tareco? Para filho de Tareca faz muito mais sentido!
Filha: O gatinho vai crescer, tolo, óvistes? Não, eu não gosto de Tareco parece Maneco… Gigas!
Filho (irónico): É giga bytes!!!! E por que não pc? E portátil! Já agora, avancemos na asneiradas… Não agora a sério: que tal minhoca?
Filha: Minhoca?! Que escanifobético! Por favor! Gigas? Eu sou a mais velha…
Pai: Ó pá, és a mais velha, mas o gato é dos dois… Já não vos posso ouvir. Fica Gigas mas sem bytes! Tá assunto resolvido.
As
luzes apagam-se.
ATO II
No beco, uma casa no canto esquerdo.
É noite, alguns dias depois, o Andrade da Mula
chega-se à janela da sua casa no primeiro andar. O Zé Metade está a cantar fado junto ao poste. A Mãe do Andrade da Mula está dentro de casa a fazer
limpeza.
Cena 1
Foco de luz
no Andrade. O resto do palco é iluminado por uma luz muito fraca de cor azul,
representando a noite.
Ouve-se Zé Metade a cantar
fado antes do Andrade falar (dos 0,15 min aos 0,29 min) 4
Andrade
da Mula: (à janela, olhando à volta)
Lá a calari! Ó que seca! Este cromo
nunca se cala e ainda pensa que canta bem. Todas as noites lá está o gajo a cantar,
fiel como o galo de manhã! Fico com tantos nervos. Um dia hei de matá-lo. Fogo!
Hei de dar cabo da única metade que lhe resta. (dá um enorme bocejo). Oh! A música deste fulano põe-me maluco. (pisca dos olhos porque vê a lua aproximar-se
dele pouco a pouco pensando que é a música do Zé Metade que lhe está a provocar
alucinações. O Andrade da Mula engole
a lua e o céu fica todo negro perante o olhar incrédulo do Zé Metade.) Um foco de luz em cada um dos
atores. A luz azul desaparece. O resto do palco fica na escuridão.
Zé Metade (surpreendido com o que acaba de ver grita para a mãe e todo o beco ouove): Ina cum caraças! ´Nha mãe, ´nha mãe venha cá, senhora, que o Andrade engoliu a lua!
(A malta chega, o Andrade olha para eles, enquanto limpa a boca com as costas da mão)
Mulher do Andrade (explicando para todos): Ele não teve culpa, tadinho, que a Lua é que se lhe veio enfiar pela boca dentro (torcendo o avental)
Mãe do Zé Metade: Mas foi ele que a desafiou…
Mulher do Andrade: Ele não teve culpa nenhuma, óvistes comadre?
Mãe do Zé Metade: Pôr-se ali na janela aos bocejos, olha a farronca, um homem mais preguiçoso que uma preguiça! Até parece alentejano! Agora está a querer baralhar género humano com Manuel germano. O meu Zé viu tudo, óvistes?
Zé Metade: Ó dona, eu vi tudo, tudo, tudo! Por causa do seu Andrade da Mula já não vamos poder sair à noite e o beco vai ficar mal-afamado por essa Lisboa fora! Tem alguma piada agora andar a comer a Lua? Contado, ninguém acredita!
Mulher do Andrade: Ai, olha lá! Atão o homem não tem pernas e tá agora preocupado com a fama do beco? O beco tem má fama porque desde que te meteste em brigas e a querer separar uns e outros todos pensam que isto aqui é perigoso, pá. Tu é que deste má fama ao beco. Comer a Lua não dá má fama a ninguém!!! ‘Tás a delirar! Só pode!
Presidente da Junta (entrando pelo fundo): Isto, ó meu amigo, o que fazia melhor era regurgitar a Lua, deite-a cá para fora ou o beco ainda fica malvisto. Essa é que é essa! (observou com gravidade)
Andrade da Mula (gemendo): Deem-me azeite, sempre ajeita para vomitar, é mezinha de avozinha!
Mãe do Zé Metade: Tenho azeite Galo do melhor que há que comprei esta manhã (tirando a garrafa de um saco que traz a tiracolo) custou-me os olhos da cara. Mas nem que me matasse, não lho dava. Isso é que era bom!
Mulher do Andrade: Cale-se, a gente lá quer o seu azeite!
Filha do Andrade (com ar preocupado e estressado a dar para o histérico): Mãe, mas isto tem de ser resolvido. Se o pai não deita a Lua pela boca, ela vai sair pelo rabo… E o pior é que se ela sai pelo buraco de baixo, vai partir-nos a sanita nova.
Andrade da Mula (irritado): Que coisa mais escanifobética!
Zé Metade (gritando): É levarem-no já para o hospital. Assim vão tratar-te como a mim, quem sabe se os médicos te cortam ao meio para tirarem a Lua e assim já seremos dois metades aqui no beco: o Zé Metade e o Andrade Metade (ansioso por que as suas palavras se tornassem realidade)!
Presidente da Junta: Então e depois a Lua onde é que os médicos a punham? Quem vos garante que ela volta ao sítio? E se os médicos quiserem ficar com ela lá no hospital e a fecham dentro dum frasco com álcool? Hã? E, em faltando a Lua aqui no céu do beco, como é que viveríamos sem noites de luar? E se os terroristas soubessem que era o beco que estava na origem do desaparecimento da Lua? Ainda vinham praí os fulanos do Daesh dizer que o beco andava a insultar o profeta, punham as nossas mulheres cheias de burcas, já para não falar dos problemas que surgiriam nas praias da costa… Mas afinal, como é que se sente o amigo Andrade?
Andrade da Mula: Menos mal, muito obrigado. Vai um pedacinho melhor...
Presidente da Junta: Então ficamos antes assim. Vossemecê agora toma um leitinho e vai logo para a cama, que amanhã é dia de trabalho. E vocês todos, andori, para casa, em ordem, e não se pensa mais em tal semelhante!
Apagam-se
as luzes
Cena 2
Luz sobre todo o palco. Bernardina
caminha no beco, quando Madalena a interrompe e fala sobre o ocorrido na noite
passada. (barulho de rua dos 0 min
aos 0,15 min) 5
Madalena
(à sua amiga Bernardina): Olá!!! Por aqui, Bernardina?! Já sabes da última?
Bernardina (surpreendida):
Ãnh!!
Já sabias que a Carolina, a padeira, estava grávida?
Madalena: Grávida? Que maravilha! Mas eu ia dizer
que ouvi a conversa do meu marido no café com os outros e com o presidente da
junta e aparentemente, na noite passada, o Andrade ao bocejar engoliu a Lua. E
assim se explica desaparecimento da Lua. E também ouvi que o presidente tinha
chamado um cientista para resolver o caso.
Bernardina (espantada):
Desapareceu a Lua?!!! Olha, eu bem sabia que tinha acontecido alguma coisa!
Houve tanto barulho ontem à noite, de pessoas a falar... O meu marido não
acreditou no que eu lhe disse. (tranquilizada)
Ai, nossa senhora! Afinal não sou doida!
Madalena:
Este
Andrade, que coisa! Acontece-lhe sempre umas peripécias cada vezes mais escanifobéticas.
(olham uma para a outra espantadas,
avançam juntas e as luzes baixam de intensidade).
Cena 3
No
meio do beco, sentados num banco. Estão a mulher do Andrade e o Andrade. Luz forte sobre todo o palco. Barulho de rua dos 0,30
min aos 0,35 min) 6
Mulher do Andrade: (lendo o jornal) Notícia sensacional! A Lua desapareceu, engolida por um certo Andrade!!! Um caso na comunidade internacional e no mundo, a ONU acredita que se trata de uma manobra publicitária! (atira o jornal e sai da cena horrorizada)
Presidente da Junta (chegando esbaforido): Olhe, meu amigo, (o Andrade levanta-se) não leve a mal, mas tenho pra mim que o que aconteceu ontem à noite traga más consequências para a vida do nosso Beco e por isso decidi chamar um científico.
Andrade da Mula: Medo de quê?
Presidente da Junta: Sei lá... Nunca se sabe o que pode acontecer com estas coisas.
Andrade
da Mula: Venha lá o tal… (Himno da URRS dos 0 min
aos 0,30 min) 7
Cientista (chegando): Bom dia, meus senhores, tenho a dizer-vos o facto do senhor Andrade ter engolido a Lua ontem à noite vai trazer consequências gravíssimas para o beco. A partir de agora, coisas inexplicáveis e irracionais poderão acontecer.
Presidente da Junta: Então é melhor avisar a malta do beco, não?
Cientista: Com certeza, para eles não estranharem…
Presidente da Junta: … e não confundirem género humano
com Manuel Germano.
Cena 4
Chega
o filho do Andrade.
Presidente
da Junta: (ao ver o
filho do Andrade passar em frente deles, agarra-o e ordena-lhe): Vais ser o
nosso mensageiro! Vais dizer a todas as pessoas que encontrares na rua que
ontem à noite o teu pai engoliu a Lua e que eu informo que por causa do desaparecimento da lua, acontecimentos
paranormais podem vir a acontecer daqui prá frente. Não esqueças de
dizer que têm de passar a mensagem ao pessoal que conhecem no beco. Não
precisas de avisar toda a gente. Tens mas é de o dizer ao diretor do jornal.
Filho do Andrade: (com um ar inocente) Quer dizer que agora vão surgir políticos honestos? (o pai dá uma pequena pancadinha na cabeça para a calar. Todas as personagens se retiram)
Apagam-se a luzes.
ATO III
Uma luz pouco forte um pouco alaranjada. Na
casa do Manuel da Ribalda, uma luz de madrugada
brilha, quando se acendem as luzes mais escuras para criar um contraste com a
cena anterior que decorre à noite. (galo a cantar por causa
da madrugada dos 0,26 min aos 0,31 min) 8
Cena 1
Entram as personagens:
Pai, Filho, Mãe, os avós já estão sentados no sofá. (barulho do telejornal nº2 dos 0,8 min aos 0,17 min) 9
Avó: Madre mia! Santa Maria, amor do céu, que pecado fiz eu para merecer um final de vida assim tão movimentado?!
Avô: Se fosse só um...
Avó (lendo o jornal): Pfff… Olhem este Andrade da Burra... (vendo as caras surpreendidas) Ai desculpem, Andrade da Mula. Que coisa mais escanifobética: então o nosso vizinho não engoliu a Lua ontem à noite?!! (todos olhando para ela)
Avô: Está aqui dito que este cromo ontem à noite engoliu a Lua à frente do Zé Metade. Um dia eu saio daqui… O Andrade é agora chamado Andrade da Lua. Também se diz que como a Lua desapareceu por causa de um dos residentes do Beco, acontecerão provavelmente casos escanifobéticos a partir de agora aqui no beco.
Pai: Sim, sim como sempre. Ó mãe, já estamos mais do que habituados. Isto aqui no beco nunca foi muito…
Filhos: Pai! Pai! Estávamos a brincar com o Gigas no nosso quarto e subitamente ele começou a agitar-se. Saltou para as cortinas e rasgou-as todas, a mesinha de cabeceira está completamente destruída!!!!
Pai: Como é que uma coisa tão pequenina pode destruir tudo isso?
Filho: O mais esquisito é que o gato cresceu tanto que parecia uma pantera.
Toda a família menos o filha: O quê?
Filho: Venham ver comigo. Despachem-se!!!
Avô: (rindo ironicamente) Eu nunca gostei deste gato! Se me dessem ouvidos…
Filha (chorando): O gato magoou-me!
Mãe: Mostra-me lá isso!
Avô (todo feliz): Vamos cá ver o que aconteceu, admirar os danos, hehehe! (dirigem-se todos para o quarto)
Pai: Oh, meu deus! O que é que aconteceu aqui!? E este Gigas, ainda por cima, saiu pela janela partindo-a toda. ‘Tá-me a sair caro o raio do gato!
Avô (rindo): Mas que gato mais... ciclónico!
Pai (com press a): Voltem todos para a sala. (todos obedecem e dirigem-se para a sala)
Apagam-se a luzes.
Cena 2
Luz forte sobre o palco. Na sala, o avô
sentado e os outros de pé
Pai: Paremos dois minutos para pensar. Como é que um jovem gato pode destruir o quarto dos meus filhos?
Filho: Como já disse nem parecia um gato pai. Transformou-se num monstro, uma autêntica fera.
Avô: Eu tinha-vos dito para o porem fora de casa…
Avó: Para com isso! Já sabemos o que pensas. Agora há que resolver os problemas e não criar novas complicações.
Momento
de reflexão para todos. (barulho do telejornal
nº2 dos 0,25 min aos 0,35 min) 10
Mãe do Zé Metade (entra dentro da casa da família, sem bater à porta e gritando acompanhada pelo Presidente da Junta): Eu acabei de assistir à morte de dois polícias! Uma fera preta que saiu do vosso jardim seguiu-os e devorou-os enquanto o diabo esfrega um olho.
Presidente da Junta (aborrecido): Precisamos de explicações, por favor.
Avó (assustada): O quê? Porquê? Nós não fizemos nada.
Presidente da Junta (voz grave): Temos várias testemunhas que confirmaram que a pantera surgiu do vosso jardim.
Filha: É o nosso gato que…
Avô: Não temos nada a ver com essa história…
Mãe (falando baixo para o Pai): Imagina que o cientista contratado pelo Presidente da Junta tinha razão? Isto deve estar relacionado com o facto do Andrade ter engolido a Lua, só pode. A seguir vem aí o Daesh…
Pai (espantado): Hã?
Mãe: Imagina que a transformação do Gigas está realmente relacionada com a alimentação escanifobética do Andrade ontem à noite...
Presidente da Junta: O que é que você está para aí a dizer?
Mãe: Nada, nada. Não percebo o que se está a passar.
Cientista (surge de rompante): Eu bem disse! Temos que encontrar o gato antes de ele matar toda a gente. (Todos assustados) Vocês estão metidos num enorme sarilho e há que resolvê-lo.
Presidente da Junta: Todos têm de colaborar, ajudando como puderem. Esta situação é séria!
Cientista: Ok. Vamos lá ver. (tira do fundo do palco um quadro sobre rodinhas e começa a escrever cálculos e algoritmos complicados. Os outros discutem à parte, em primeiro plano.) A nossa única solução é capturar o gato!
Pai: Olhe, tá a ver algum gato aqui?
Tá? Cale-se e saia imediatamente da minha casa!!!!! (todos
se levantam enervados contra o cientista) (barulho
de recarregar a arma dos 1,11 min aos 1,13 min) 11
Avô (pega na carabina): Saia daqui e já! (todos olham para o avô)
Pai (irritado): Não precisas de empunhar a carabina…
Avô (a rir): Eu já estou pronto para caçar o gato!
Filho: Vamos lá, então!
Todos começam a andar de um lado para o outro a gritar o nome do gato. De repente ouve-se um barulho que vem da gateira que se encontra no lado direito do palco.
Avô (ordena como um general ao seus homems): Apanhem-no!
O gato foge (é puxado com um fio que tem, enrolado à volta do pescoço, para fora do palco). O filho agarra num caixote que está no chão e vai atrás do gato. Sai do palco para logo a seguir regressar com o gato dentro do caixote.
Filho: Apanhei-o!
Avô: O que fazemos agora? Comêmo-lo?
Avó: Não sejas estúpido. Temos que dar esse gato, ou fera, se preferirem, ao primo Inácio, o dos negócios de grandes camiões para os jardins zoológicos.
Filha: Envia o gato para bem longe daqui!
Pai: Vou telefonar. Isto tem de acabar de uma vez por todas!
Mãe: Vai, fazes bem! Já estou farta desta confusão!
Apagam-se
as luzes.
Cena 3
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